terça-feira, 29 de março de 2011

CARTA DE UM EDUCADOR PARA OS MINISTROS DO STF

Carta Aberta aos ministros do STF

Prezados Senhores,

Os senhores deram uma grande contribuição para o amargo fim da carreira do magistério no Brasil quando quebraram, em decisão liminar, os dois pilares fundamentais da Lei do Piso do Magistério (11.738/2008): a definição de piso enquanto piso - e não enquanto teto ou somatória de todas as formas de remuneração - e o direito a um terço de tempo da jornada de trabalho para atividades extraclasse.

A carreira dos professores do ensino básico está praticamente deixando de existir, dadas às péssimas condições de trabalho e aos salários de fome que os profissionais recebem. Por todo o país as universidades e fundações do ensino superior estão fechando os cursos de licenciatura, pois não há procura por parte dos jovens estudantes.

Os salários praticados no Brasil para a remuneração dos professores, comparativamente às demais carreiras do mercado e do Estado com o mesmo de grau de formação acadêmica, são os mais baixos. E infelizmente, a decisão liminar que os senhores tomaram, atendendo ao pedido de alguns desgovernadores - os quais não demonstram qualquer compromisso com a Educação pública - contribuiu e muito para a citada realidade.

Um professor com curso superior hoje recebe entre um e três salários mínimos para a extensa atividade que pratica, às vezes em dois ou até três cargos, acumlando cargos públicos e privados. E é justamente nas costas desses educadores que recai a responsabilidade atribuída por governantes para a solução de todos os problemas por que passa o país. Ante a fome, ao desemprego, à criminalidade, as elites políticas do Brasil dão a mesma resposta: falta uma educação pública de qualidade. Mas, as palavras não correspondem aos fatos.

No lugar dos atos, os governos praticam propaganda, quase sempre enganosa, a dizer que os índices da Educação básica estão melhorando, que agora os professores têm um piso salarial, que em breve terão plano de carreira, e etc e tal. Olhai, no entanto, a realidade, senhores ministros do STF. A realidade das periferias dos grandes centros, onde falta de tudo um pouco. Ou muito. Olhai a realidade dos professores, mal remunerados, sem políticas sérias de formação continuada, desestimulados em função de horizontes pouco claros. Para os professores, os governantes prometem o futuro, de uma arrecadação melhor que há de acontecer, ou do pré-sal. Mas, os senhores sabem bem que ninguém vive de futuro, ninguém paga as contas do dia-a-dia com promessas de um futuro que não chega nunca.

O piso salarial do magistério, após um longo tempo de maturação no Congresso Nacional, decepcionou pelo valor e pela jornada de trabalho: R$ 950,00 para 40 horas de trabalho, atualizado hoje, quase três anos depois, para R$ 1.187,00 para a mesma jornada de 40 horas. As poucas coisas boas que a Lei do Piso trazia eram justamente os itens que os senhores trataram de suspender liminarmente, atendendo a pedido de cinco desgovernadores, na famigerada ADI 4167. E nem havia justificativa séria para tal ação movida por aqueles senhores, uma vez que a lei previa uma complementação, por parte da União, para aqueles entes federados que provassem não poder pagar o piso de forma integral.

Mas, agora, no próximo dia 30, os senhores terão a possibilidade de corrigir a medida liminar que tomaram e de uma vez por toda, dar à Lei do Piso a vigência - e a existência - que não aconteceu até agora. Piso é vencimento básico, é piso, e não a somatória de básico e penduricalhos. Não fosse dessa forma, não haveria sentido algum votar uma lei voltada para criar um patamar mínimo para uma carreira tão desvalorizada quanto a dos professores. O piso enquanto teto, e não enquanto piso, descaracteriza a lei - descaracteriza o próprio conceito de piso. Torna-a inútil, sem qualquer funcionalidade, e provoca, justamente para os professores mais antigos, que adquiriram gratificações ao longo da carreira, uma profunda injustiça.

Quanto ao terço de tempo extraclasse da jornada de trabalho, é o mínimo que se pode oferecer aos professores, para que possam preparar as aulas, corrigir trabalhos e avaliações, participar de reuniões interdisciplinares ou com a supervisão e direção escolares, realizar pesquisas etc. Há governantes que atribuem aos professores o papel de tomadores de conta de crianças e jovens, não havendo necessidade deste tempo mínimo extraclasse para a preparação das atividades pedagógicas. Mas, creio que os senhores sabem perfeitamente que uma Educação de qualidade requer o mínimo de tempo para um desempenho eficaz por parte do profissional. E o terço de tempo da jornada é este mínimo. O ideal seria 50% do tempo ou mais, como acontecem nas melhores escolas federais. Não é justo que precisamente o ensino público básico, voltado para as famílias de baixa renda receba tratamento inferiorizado. Ao estabelecer este tempo mínimo extraclasse, o legislador percebeu que era importante criar um padrão nacional de qualidade, justamente para impedir que governantes transformem os educadores em tomadores de conta de crianças e jovens, como é comum acontecer Brasil afora.

Portanto, senhores ministros, está nas mãos dos senhores uma decisão que poderá contribuir para que a carreira do professores do ensino básico ganhe uma sobrevida, com possibilidades de melhorias no presente e no futuro. Como também, a depender da decisão autônoma que os senhores tomarão, poderá representar a pá de cal que faltava para proclamar o encerramento das poucas possibilidades que ofereceram para os professores nos últimos anos.

Espero que, para além das pressões que os senhores possam receber de governantes, pró ou contra a referida ADI, os senhores tenham a grandeza de olhar para as novas gerações deste país; para o presente e para o futuro. Para que depois não se fale nos discursos que os ex-governantes (ou ex-ministros) não fizeram aquilo que deveriam fazer. Os senhores têm agora a possibilidade de fazer o que é certo. É isso que dois milhões de professores esperam ansiosamente que aconteça no dia 30.

Atenciosamente,

Euler Conrado

Professor do ensino público da rede estadual de Minas Gerais

Vespasiano, em 29/03/2011

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